quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Cabeças têm que rolar




 Na Grève, em plena luz do dia, um monstro de ferro e madeira se ergue imponente sobre a multidão, sobre a massa que anseia por sangue. Cabeças vão rolar, cabeças têm que rolar. Dizem eles, que a paz do povo se equilibra nas pernas do cadafalso. Quem são eles? São os maestros dessa harmonia. São os detentores e propagadores da verdade, imunes a questão. Seus nomes são ocultados por títulos, seus crimes pela lei, a sua lei.
 Haverá sempre a lâmina para aqueles que questionarem. Haverá sempre quem questionar. Heróis só existem sob a sombra de seus inimigos. Cabeças vão rolar, cabeças têm que rolar. O espetáculo veste trajes de um julgamento, de um exemplo para a sociedade. Aqueles que assistem, não assistem. Condenam, mas não assistem.E cada um que acomoda o pescoço na base da maquina medonha é perdoado de seus crimes, livre para se tornar uma atração para aqueles que desconhecem da sua verdadeira história, da sua infelicidade.
 O inimigo do povo, antes disso é um amigo dos seus próprios valores. Um indivíduo com um nome. Um escritor, um pescador, um soldado, uma mãe, um Dr. Stockmann. Um de nós, que um dia antes se encontrava na mesma Grève encarando uma guilhotina distante, numa segurança aparente, gozando de uma liberdade intangível. E que agora é vitima de uma verdade que talvez não seja sua, mas que pouco importa, pois aqueles que questionam, aqueles que perturbam a paz, não são dignos da vida . Desprovido de seu direito de viver enquanto ainda respira, é um saco de carne, sangue e ossos que deve ser fatiado para alegria dos que virão. Porque afinal, hoje cabeças vão rolar, cabeças têm que rolar. Hoje a minha e amanha a sua.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Narciso sabia nadar



 Abriu os olhos e encarou a vastidão azul que cobria sua existência física.  Como era bela, a luz, o silêncio, o movimento, a leveza. Contemplando a sinergia que se materializava a sua volta de forma inédita, cedeu ao convite para o desconhecido, e imergiu. No leito dos pensamentos, refletiu sobre o dilema da beleza. Porque agora, finalmente livre do apego aos próprios traços, Narciso sentia a necessidade de se unir ao novo belo que consumia seus sentidos, de fazer parte de todo àquele azul, que para ele agora era o absoluto? Tentou amaldiçoar os deuses, tentou morrer, mas já se tornara um fantoche do desejo, desprovido do seu consciente, imerso por completo na admiração.
 Como o Olimpo  não ouvia seus gritos, negou o divino e convidou o filosófico para uma introspecção. Fechou os olhos e retornou a caverna espelhada que habitava anteriormente, antes do mergulho fatídico. Ficou na caverna até que sua imagem não precisasse mais do reflexo para acompanhá-lo. Abriu novamente os olhos, admirando as formas inéditas que a luz lhe presenteava, apaixonou se novamente pela imensidão azul, e viu sua imagem desaparecer. Mesmo invocando o seu outro belo, Narciso cedeu repetidamente a nova e desconhecida forma da beleza. Conclui, após a viagem platônica, que a beleza existe independente de forma ou vida, e que o seu laço com o desejo nasce do inédito, da primeira vista, da primeira sensação.
 Mas era insuficiente, pois ainda não explicava porque, aquele desejo, aquele sofrimento, era solitário, exclusivo, imune a qualquer compreensão, a qualquer ciência. Narciso então buscou no juízo de Kant um caminho para o seu próprio juízo.  Foi um erro, pois ao encarar o belo como despregado de qualquer conceito, como subjetivo e não adjetivo, viu a beleza se tornar intangível. Aquilo que até então o convidava para os prazeres do imprevisível, se transfigurou, transformando-se na feiúra, no outro lado do imã, invocando dentro do coração humano a rejeição, uma perversidade repleta de sensualidade.
 Atingido por sua nova compreensão, Narciso se viu livre das mãos do desejo. Recobrara os movimentos voluntários, e sentia a vida correr por suas veias. Olhou para cima e viu a luz que adentrava na caverna liquida e azul. Nadou como se um renascimento o aguardasse na superfície, como se fosse sair de um novo útero para então se esquecer de suas dúvidas e pecados. Contudo não chegou lá, havia imergido demais. Morreu afogado, com o seu ultimo desejo enchendo lhe os pulmões, ambos finalmente unidos, ambos sem vida. Eternizados no mito. 

domingo, 9 de setembro de 2012

Justiça dos tortos

Nenhum passado é mais amargo do que aquele que não é seu. 
Nenhum futuro é mais frustrante do que aquele que, por um passado que não é seu, 
deixa de ser seu. 

Contra o centrão vote periferia

Patrícios e plebeus Centro e periferia Castelo e feudo Cobertura e laje Condomínio e comunidade Derrubar os muros Apagar as luzes Limpar o r...