Abriu os olhos e encarou a vastidão azul que
cobria sua existência física. Como era
bela, a luz, o silêncio, o movimento, a leveza. Contemplando a sinergia que se
materializava a sua volta de forma inédita, cedeu ao convite para o
desconhecido, e imergiu. No leito dos pensamentos, refletiu sobre o dilema da beleza.
Porque agora, finalmente livre do apego aos próprios traços, Narciso sentia a
necessidade de se unir ao novo belo que consumia seus sentidos, de fazer parte
de todo àquele azul, que para ele agora era o absoluto? Tentou amaldiçoar os
deuses, tentou morrer, mas já se tornara um fantoche do desejo, desprovido do
seu consciente, imerso por completo na admiração.
Como o Olimpo
não ouvia seus gritos, negou o divino e convidou o filosófico para uma
introspecção. Fechou os olhos e retornou a caverna espelhada que habitava
anteriormente, antes do mergulho fatídico. Ficou na caverna até que sua imagem
não precisasse mais do reflexo para acompanhá-lo. Abriu novamente os olhos,
admirando as formas inéditas que a luz lhe presenteava, apaixonou se novamente
pela imensidão azul, e viu sua imagem desaparecer. Mesmo invocando o seu outro
belo, Narciso cedeu repetidamente a nova e desconhecida forma da beleza.
Conclui, após a viagem platônica, que a beleza existe independente de forma ou
vida, e que o seu laço com o desejo nasce do inédito, da primeira vista, da
primeira sensação.
Mas era insuficiente, pois ainda não explicava
porque, aquele desejo, aquele sofrimento, era solitário, exclusivo, imune a
qualquer compreensão, a qualquer ciência. Narciso então buscou no juízo de Kant
um caminho para o seu próprio juízo. Foi
um erro, pois ao encarar o belo como despregado de qualquer conceito, como
subjetivo e não adjetivo, viu a beleza se tornar intangível. Aquilo que até
então o convidava para os prazeres do imprevisível, se transfigurou, transformando-se
na feiúra, no outro lado do imã, invocando dentro do coração humano a rejeição,
uma perversidade repleta de sensualidade.
Atingido por sua nova compreensão, Narciso se
viu livre das mãos do desejo. Recobrara os movimentos voluntários, e sentia a
vida correr por suas veias. Olhou para cima e viu a luz que adentrava na
caverna liquida e azul. Nadou como se um renascimento o aguardasse na
superfície, como se fosse sair de um novo útero para então se esquecer de suas
dúvidas e pecados. Contudo não chegou lá, havia imergido demais. Morreu
afogado, com o seu ultimo desejo enchendo lhe os pulmões, ambos finalmente
unidos, ambos sem vida. Eternizados no mito.
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