Na Grève, em
plena luz do dia, um monstro de ferro e madeira se ergue imponente sobre a
multidão, sobre a massa que anseia por sangue. Cabeças vão rolar, cabeças têm
que rolar. Dizem eles, que a paz do povo se equilibra nas pernas do cadafalso.
Quem são eles? São os maestros dessa harmonia. São os detentores e
propagadores da verdade, imunes a questão. Seus nomes são ocultados por
títulos, seus crimes pela lei, a sua lei.
Haverá sempre a lâmina para aqueles que questionarem. Haverá sempre quem
questionar. Heróis só existem sob a sombra de seus inimigos. Cabeças vão rolar,
cabeças têm que rolar. O espetáculo veste trajes de um julgamento, de um
exemplo para a sociedade. Aqueles que assistem, não assistem. Condenam, mas não
assistem.E cada um que acomoda o pescoço na base da maquina medonha é perdoado
de seus crimes, livre para se tornar uma atração para aqueles que desconhecem da
sua verdadeira história, da sua infelicidade.
O inimigo do povo, antes disso é um amigo dos seus próprios valores. Um
indivíduo com um nome. Um escritor, um pescador, um soldado, uma mãe, um Dr.
Stockmann. Um de nós, que um dia antes se encontrava na mesma Grève encarando
uma guilhotina distante, numa segurança aparente, gozando de uma liberdade
intangível. E que agora é vitima de uma verdade que talvez não seja sua, mas
que pouco importa, pois aqueles que questionam, aqueles que perturbam a paz,
não são dignos da vida . Desprovido de seu direito de viver enquanto ainda
respira, é um saco de carne, sangue e ossos que deve ser fatiado para alegria
dos que virão. Porque afinal, hoje cabeças vão rolar, cabeças têm que rolar.
Hoje a minha e amanha a sua.